quinta-feira, 31 de março de 2016

O Dinossauro e o Canário

     
      Em um lapso de tempo, encontram-se um dinossauro e um canário.
      Ao despertarem num ambiente totalmente verde-amarelo, o réptil percebe o pequeno pássaro cantarolando mil e uma palavras, as quais ele não consegue assimilar.
      – O que é você, pequenino?
      A resposta vem em um arpegio melódico de seis notas, com quatro colcheias e duas semínimas acentuadas no final:
      – Eu sou seu futuro!
      O mais velho fica alguns segundos em silêncio, atônito, e logo solta uma gargalhada que faz estremecer todas as penas do passarinho, mas este não se abala, e continua criando canções.
      – Veja, canarinho, como sou forte e inteligente. Conheço tudo sobre o mundo. Viajo para todos os lugares. Todos me respeitam porque estou sempre reunido aos seres mais importantes, que fazem as regras acontecerem. Como podes ser meu futuro se o que fazes é ficar aí cantarolando mil palavras?
      A espécie mais nova calava, olhando para algum ponto na vaga imensidão cinza, ouvia o réptil e voltava a cantar, ora pequenas melodias, ora uma sequência mais complexa, cheia  de texturas e timbres.
      Mas o dinossauro não lhe dava ouvidos.
      – Tu não tens força. Não parece caber muita inteligência nessa cabecinha. Falas, falas e não diz coisa com coisa. Não entendes nada do mundo. Eu sim, falo com os maiores, os mais entendidos e ainda lhes dou orientações. Nós gritamos e fazemos acontecer. Todos os outros nos idolatram, pois somos os mais importantes.
      O pássaro resolveu ficar em silêncio, por vários dias.
      Então, o dinossauro, cansado de tentar encontrar razão para o que estava acontecendo, parou em frente ao passarinho e indagou:
       – Se tu és meu futuro, diga-me o que aconteceu?
       O canário reduziu sua capacidade vocal, na esperança de que o réptil entendesse uma melodia mais simples.
      – O tempo todo tu me julgastes pelo que eu Não faço, sem conhecer minhas qualidades. Se não faço algo é porque não é da minha natureza. Ou não é uma faculdade que possuo, talvez por falta de interesse em adquiri-la.
      O dinossauro esboçou uma fala, mas deixou a boca entreaberta, sem dizer nada. E o pássaro seguiu sua melodia, porém, agora, as vibrações do seu canto faziam surgir uma visão do seu passado. O reino dos dinossauros, com toda a gritaria e guerra por comida, água e poder aparecia diante deles, feito um espelho líquido.
      – Vês o teu mundo? Tudo o que foi construído a gritos, com o suor dos entendidos, em breve será destruído. Todas as regras serão quebradas.
      O dinossauro não aguentou e bufou:
      – Mas não existe força maior que a dos entendidos!
      E o canário continuou seu relato, com um ritmo mais intenso, como uma sinfonia de metais, e as imagens envolviam os dois.
      – Uma força, oculta entre as sombras do espaço, surgirá entre vós e atacará, primeiro com o som de agonia, depois uma onda de ódio se espalhará por todos os lugares. Então, com um GOLPE gigantesco, ouvido por todos no teu mundo, os entendidos cairão por terra como folhas secas no outono. O mar azul, escuro e profundo se erguerá, furioso, revirando todos que houver pela frente, fazendo verter o sangue dos entendidos, e o mar retornará para as profundezas como um herói, até que não haja mais um pingo vermelho em suas águas azuis. O calor do GOLPE queimará grande parte da vida que tu conheces e demorará séculos para que a calmaria retorne ao mundo..."
      O dinossauro assistiu a tudo e implorou:
      – Não me faças ver mais, com essa música tenebrosa! Diga-me onde queres chegar.
      Diminuindo o ritmo e com uma melodia suave o canário continuou.
      – Os que sobraram, voaram. Uns para longe, outros para dentro de si mesmos.
      Desconsolado, o dinossauro perguntou, com a voz quase vazia:
      – No fim, farão canções sobre mim?
      – Tu estás em todas as minhas canções, apenas não possuis um aparelho auditivo evoluído o suficiente para ouvir certas frequências e, consequentemente, entender as minhas palavras.
      E com uma melodia melancólica, como a de Tchaikovisky, o canário finalizou:
      – No fim, tudo passa, incluindo eu, canarinho... A menos que haja voz que enfrente a onda provocada pelo GOLPE.

Adão de Lima Jr 31/03/2016

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