domingo, 15 de fevereiro de 2009

Canto Para Minha Morte - Raul Seixas

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som de meus passos...
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos e nunca mais vou abrir.
Cada vez que me despeço de uma pessôa,
pode ser que essa pessôa esteja me vendo pela última vez...
A morte, surda, caminha ao meu lado e eu não sei em que esquina ela vai me beijar...

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher,
a mulher que me foi destinada, e que está em algum lugar me esperando,
embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,
pois em qualquer lugar esperas só por mim...
E no teu beijo provar o gosto estranho
que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar...
Vem, mas demore a chegar.
Eu te destesto e amo morte, morte, morte,
que talvez seja o segredo desta vida!
Morte, morte, morte, que talvez seja o segredo desta vida!

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... um acidente de carro...
O coração que se recusa a bater no próximo minuto...
A anestisia mal aplicada... a vida mal vivida...
A ferida mal curada... a dor já envelhecida...
O câncer já espalhado e ainda escondido... ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota num dia de sol... a cabeça no meio fio...

Óh morte, tú que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com tua mais bela roupa quando vieres me buscar!
Que meu corpo seja cremado e minhas cinzas alimentem a erva...
e que a erva alimente outro homem como eu...
Porque eu continuarei neste homem, nos meus filhos,
Na palavra rude que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que não terminei de beber naquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim,
pois em qualquer lugar esperas só por mim...
E no teu beijo provar o gosto estranho
que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar...
Vem, mas demore a chegar.
Eu te destesto e amo morte, morte, morte,
que talvez seja o segredo desta vida!
Morte, morte, morte, que talvez seja o segredo desta vida!

Raul Seixas e Paulo Coelho

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